Eu, meu pai e minha irmã, tomamos uma decisão, que havia jurado para mim mesmo que nunca faria.
Quando era criança, lembro que minha mãe tentou cuidar da minha avó em casa e do quanto foi difícil. Uma vez minha avó saiu de casa e foi preciso espalhar cartazes pela cidade para poder encontrá-la. Outras vezes foi preciso interná-la em um hospital para doentes mentais, tamanho o transtorno mental dela...
Gostaria de cuidar de minha até o fim dos seus dias, mas quando nos falta condições concretas para isso, como agir para não sentirmos a “síndrome de irresponsabilidade?”.
Foi e está sendo uma experiência dolorosa, que ainda assim quero compartilhar, porque tenho certeza que se repete com outras famílias. Tenho apenas uma irmã (que mora em São Paulo) e a minha mãe aos 81 anos de idade encontra-se em um processo de degeneração do cérebro: necessita de ajuda para alimentar-se, andar, etc... Meu pai, por sua vez, é deficiente visual e também necessita de ajuda para algumas coisas. Mas ela necessita de apoio 24 horas ao dia.
Durante o primeiro ano da doença, consegui tratá-la com a ajuda de meu marido que virou um terceiro filho para ela. Três anos depois tive que contar com o apoio de duas cuidadoras que se revezavam em turnos de 48 horas.
Procuramos adaptar a casa com barras, cadeiras de banho, etc.
O tempo foi passando, a doença progredindo, e o nosso esquema dava sinais claros que ela necessitava de um atendimento mais especializado; a sua casa não era mais adequada, a qualidade de vida era sofrível.
Infelizmente a doença avançava e não havia sinais de melhora no atendimento doméstico.
Me senti totalmente culpada com a possibilidade de levá-la para uma casa de repouso. Mas por indicação de uma amiga de meu marido, encontramos uma casa de repouso chamada "Aconchego dos Avós", onde ela receberia o acompanhamento de enfermeiras durante todo o dia, com visita semanal de médico geriatra, nutricionista e onde ela poderá fazer também tratamento terapêutico.
Senti que essa casa estava preparada para receber minha mãe. Pedi o apoio de minha irmã, que veio de São Paulo para conhecer a casa e ratificar a nossa escolha.
E como contar à nossa mãe o destino que havíamos traçado? Sentia dor no estômago, dormia mal e angustiada com a idéia. Tomada de uma força divina, olhei a minha mãe e calmamente afirmei que iríamos levá-la a um local para que ela pudesse tratar das pernas que não mais andavam. Ela me dizia "minhas pernas estão amarradas". Mas minha mãe nunca foi "boba" e ela sem dizer nada mas com o olhar nos deu a entender que ela sabia para onde estava indo.
Durante o trajeto eu engolia as lágrimas e a sofreguidão. Assim que ela entrou ficou um pouco inquieta chamando todos os nome que lhe vinha à cabeça. Orlando, Catia, Fatima, Silvio, Pablo. Aos pouco fomos saindo e quando ela se calou, fomos embora. Sem nos despedirmos...
Me senti péssima. O primeiro dia foi muito difícil. Chorei, chorei e chorei. E minha mãe chamava Orlando, Orlando, Orlando!! Chorei no segundo dia, meu marido preocupado comigo, pois não queria que eu adoecesse. E eu não via a hora de fazer a minha primeira visita à minha mãe.
Na 5ª feira (nossa primeira visita) pedi os primeiros 15 minutos com ela. Precisava falar com ela claramente para que ela entendesse que estava ali em tratamento e que eu iria visitá-la sempre. Acho que ela entendeu. Não chorou nem pediu para voltar para casa.
Cantamos, rimos e conversamos. Na hora da despedida nos beijamos, me abraçou apertado e me disse "tchau"...
Hoje na segunda visita, a mesma preocupação me abateu. Ela vai chorar e pedir para voltar. Mas apesar de estar bem sonolenta, conversou, cantou, e quando fui me despedir ela estava dormindo como um anjinho. Dei um beijo e saí com o coração apertadinho, mas com a esperança dela melhorar um pouquinho para te-la pertinho de mim por mais alguns anos.
Certamente, a minha filha não sofrerá tanto no momento da inevitável decisão. Este é o ciclo da vida...